Nosso quotidiano é feito de imagens. Muitas são fotografias e uma parte delas tem funções e utilidades.

Há fotos que são simples registros visando ilustrar locais, eventos e notícias, ou seja, representar o quotidiano. Dentro dessa categoria, temos as fotos publicitárias, cujo objetivo, altamente sutil, é gerar o desejo de possuir. Por outro lado, há imagens que mexem com nosso emocional, às vezes, sem que saibamos porque. Um exemplo são fotos que trazem de volta momentos especiais: recordações com a família, paisagens que gostaríamos de revisitar, amigos que nos são caros. Observamos também nessa categoria fotos que seduzem e que suscitam um desejo premente de possuí-las. São obras artísticas que não têm utilidade em si. Elas existem para deleitar os olhos e alimentar o espírito, a alma.

Logo, as fotografias podem ser utilitárias ou constituir um precioso tesouro.

Qualquer que seja o tipo de imagem fotográfica, tesouro ou utilidade, ela pode, de forma inesperada, às vezes, comunicar com nosso interior e ser uma chave para elucidar quem somos, afirmar nossa identidade, compreender quem são os outros e qual é nossa relação com eles.

E quanto ao fotógrafo/a? Quer queiram, quer não, as pessoas que registram uma imagem fotográfica falam de si, se expõem, comunicam, compartilham crenças, ideias, conceitos. Essa comunicação pode ser imediatamente clara, mas também pode ser obscura e intricada.

Se observarmos a imagem para além do estático, levando em consideração, em vez do objeto da imagem, o sujeito da imagem – o fotógrafo – verificamos que ela narra uma história. Contar histórias é uma arte. Contar histórias através da fotografia é uma arte em si, que evolui com o tempo, com a prática, com o autoconhecimento, com a troca com outros. O impacto da narrativa visual vai depender da época, da cultura e do público, mas o artista produz para si, comunica o que tem dentro de si. A menos que haja uma demanda específica de um cliente e nesse momento ele deve jogar com a expectativa de seu cliente e a inspiração que brota naturalmente.

O artista-fotógrafo evolui dentro um contexto. É esse contexto que ele deseja expressar, é o seu entorno que o inspira. E é o seu olhar artístico, virgem ou experiente, que transformará a realidade em arte.

E quanto ao público ? Ele recebe essa narrativa pronta, mas ela não para por aí. O expectador vai, quanto a ele, desenvolvê-la, contar sua própria história a partir daquela que foi apresentada pelo artista. A partir desse momento, a história, a fotografia, a arte, transcende o artista, ela não mais lhe pertence, mas sim a cada pessoa que a interioriza.

Na foto que acompanha essas reflexões, uma história foi contada. Nesse momento, nem eu sabia qual era. Só algum tempo mais tarde me dei conta do que meu inconsciente desejava expressar.

Cada pessoa que parar para descobrir essa imagem, admirando-a ou não, será impactado por ela, muito, um pouco, mas inexoravelmente. Essa é a beleza da arte, essa é a beleza da narrativa de uma foto, ela vai mudando de mãos, sendo eternamente recriada.

Essa foto agora lhe pertence, que narrativa ela lhe inspira?

Ricardo Esteves, fotógrafo artístico, curador e mentor, franco-brasileiro baseado em Paris. Instagram: ricardoestevesbr
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